Vida e Atividade Rural

 

A vida rural do Lugar da Várzea caracteriza-se pela paisagem, biodiversidade, cultura e pelo estilo e modo de vida pacato, marcados pela atividade agrícola, pela lógica familiar, pela cultura comunitária e pela identificação com os ciclos da natureza.

O modo de vida de outros tempos — nomeadamente nos séculos XIX e XX — era muito diferente do atual. A inexistência de água canalizada, eletricidade, transportes, comunicações e, sobretudo, os escassos recursos financeiros levavam as pessoas a viver com grande sacrifício para garantir o pão de cada dia.

As mulheres iam ao fontanário buscar água para as lides domésticas e deslocavam-se à serra por trilhos íngremes para apanhar lenha, necessária para cozinhar os alimentos, cozer o pão de milho e o bolo da sertã, essenciais para o sustento da família. Cuidavam dos filhos, da casa e da roupa, que era lavada à mão com sabão branco e azul — o único detergente da época. As peças de roupa eram poucas, feitas em casa por mulheres mais habilidosas na costura e, quando se rasgavam, eram remendadas com pedaços de fazenda. A melhor roupa, reservada para os domingos e ocasiões especiais, era engomada com ferro de carvão.

Os homens andavam descalços e as mulheres usavam tamancos e galochas de madeira — calçado típico da época.

A loiça e os alguidares eram de barro, na sua cor natural, e quando se partiam eram remendados com grampos de arame.

As tarefas domésticas eram todas realizadas manualmente. Não existiam máquinas nem frigoríficos; os alimentos eram conservados em sal e banha de porco. Sem eletricidade, a iluminação fazia-se com lanternas e candeeiros a petróleo, que libertavam um cheiro característico que se entranhava em tudo dentro de casa.

Praticamente todas as famílias tinham as suas galinhas, o seu porco e os seus produtos hortícolas: trigo, milho, feijão, favas, tremoço, batata, abóboras, couves, açafroa… Em cada casa víamos cafuões muito bem delineados, ostentando o milho, previamente atado em manchos, que, depois de bem seco, era recolhido, retirada a folha e guardado no granel – estrutura que, aos poucos, vai desaparecendo da paisagem rural desta terra. Encontravam-se também expostos bogangos (ou mogangos) e abóboras de diversas formas e tamanhos.

Tradicionalmente, no outono, cada família matava o seu porco, criado à base de lavagens, milho, farinha e bogangos. Nas festas e ocasiões especiais, matavam-se as galinhas, que nasciam e se criavam em casa, alimentadas com milho, restos de pão e água.

Além do que se cultivava e criava em casa, comprava-se peixe fresco proveniente dos Mosteiros. Quem não tinha dinheiro trocava por milho e outros produtos agrícolas. A má alimentação, os poucos cuidados de saúde, a falta de medicamentos e de vacinação levavam à morte muitas crianças de tenra idade, sendo elevada a taxa de mortalidade infantil.

Pouco se comprava na loja — o dinheiro era escasso e, para quem não o tinha, restava a troca por produtos da terra. Tudo era vendido a granel; havia poucos produtos embalados. No século XX, existiram na Várzea algumas lojas: a loja do Sr. Ramiro Fernandes Vasconcelos e a loja do Sr. José Mota, que depois foi adquirida pelo Sr. Hermano Oliveira Pavão, na Rua da Igreja; a loja do Sr. Teodemiro Sousa Tavares, na Rua do Além; a loja do Sr. Manuel Sousa Carreiro, no Largo da Igreja; e a loja do Sr. José Correia Garcia, na Rua da Carreira. Após um longo período encerrada e profundas obras de restauro, reabriu em 1983 a loja do Sr. Manuel Sousa Carreiro, no Largo da Igreja, sendo então propriedade do seu genro, Moisés Pereira da Luz, com a denominação “Café, Cervejaria e Mercearia Luz”. Em 1987, este estabelecimento foi vendido ao Sr. Álvaro Inácio Câmara, sendo hoje o único estabelecimento ainda em funcionamento, com a designação “Mini Mercado Câmara”.

Os meios de diversão eram escassos. Jogava-se às cartas e praticavam-se outros jogos tradicionais. Na segunda metade do século XX, algumas famílias já possuíam rádio. Nas noites de verão, juntavam-se em grupos para ouvir as notícias e o tradicional programa “Fados Pedidos”, havendo, ao som da música, espaço para uma dança. Com pouco entretenimento, no inverno, as pessoas deitavam-se muito cedo. Não havia televisão — ou melhor, nem sequer existia estação de televisão. A primeira emissão da RTP Açores foi para o ar no dia 10 de agosto de 1975. Os primeiros televisores — a preto e branco — chegaram à Várzea em 1976 e eram alimentados a bateria, pois a eletricidade só chegou à localidade em novembro de 1978.

O principal meio de transporte para Ponta Delgada era a charrete e o burro. A primeira camioneta (ou autocarro) surgiu nos primórdios da década de 1940, ligando os Mosteiros a Ponta Delgada, trazendo no regresso o correio. Este ficava na loja do Sr. Ramiro, que depois o distribuía aos destinatários. No início da década de 1960, chegou à Várzea o primeiro automóvel, propriedade do Dr. Carlos Pavão de Medeiros, hidrologista, médico de clínica geral e infantil, que aqui residia.

A principal atividade das gentes da Várzea pertencia ao setor primário, nomeadamente à agropecuária.

Importa referir que, nos primórdios do povoamento do Lugar da Várzea, os habitantes dedicavam-se à cultura do trigo e do pastel. O trigo era uma gramínea utilizada como feno para alimento dos animais, e o grão da espiga servia para produzir farinha e, com esta, o pão. O pastel era cultivado em canteiro e depois plantado em regos. Esta planta não podia ser cultivada com sucesso no mesmo terreno em anos consecutivos, pelo que era rotacionada com trigo, milho ou hortícolas. As folhas do pastel eram colhidas duas vezes por ano, trituradas num engenho constituído por uma atafona movida por uma vaca ou burro, e transformadas em bolas que eram deixadas fermentar. A fermentação, que produzia um cheiro pútrido intenso, levava ao desdobramento dos pigmentos corantes contidos nas folhas. As bolas fermentadas eram depois deixadas a secar até atingirem um grau reduzido de humidade, sendo então encaminhadas para as tinturarias. O pastel foi, durante o período inicial do povoamento, um dos principais produtos de exportação dos Açores, originando um ativo comércio entre estas ilhas e a Flandres — região norte da Bélgica.

A terra era trabalhada com o sacho ou enxada e com alfaias agrícolas — como a charrua, o arado e a grade — puxadas por bois ou mulas. O primeiro trator chegou à Várzea na década de 1970, pelas mãos de Mariano Reis: um David Brown branco, com 90 cavalos de potência.

A fertilização dos solos era feita com estrume retirado das arribanas, onde, no inverno, pernoitavam os animais.


Na primavera, época das sementeiras, logo pela manhã, ao raiar do dia, homens e mulheres partiam alegremente para os campos para semear trigo, milho, batata e feijão, que mais tarde seriam cuidados e tratados com dedicação, visando uma boa colheita. Na Várzea, ainda se cultivava chicória, tabaco e beterraba, provenientes das sementeiras de inverno e primavera, sendo posteriormente entregues na Sinaga — a única unidade de transformação e produção de açúcar e álcool nos Açores.

Chegada a época das colheitas — tempo de grande labuta, mas também de alegria, partilha e entreajuda — colhia-se tudo o que a terra havia produzido. Ainda ecoa nos meus ouvidos o som estridente e característico dos nossos carros de bois, carregados com os mais variados produtos colhidos da terra.

Ao aproximar-se o meio-dia, as mulheres, que ficavam em casa, levavam à cabeça cestos de alça ou canastras — como tradicionalmente eram conhecidos — com terrinas repletas de comida quente, para saciar a fome dos que trabalhavam no campo.

Havia na Várzea famílias mais abastadas, proprietárias de muitas terras, que davam trabalho aos mais pobres. Estes, para garantirem o pão de cada dia, trabalhavam de sol a sol — do nascer ao pôr-do-sol. Uma dessas famílias era a do Sr. Aprígio Duarte Pereira que, nas décadas de 1940, 1950 e 1960, muito trabalho proporcionou a várias pessoas desta terra, tanto na agricultura como na pecuária.

Além da agricultura, muitas famílias dedicavam-se também à pecuária. O maneio alimentar das vacas era feito com erva da pastagem, milho verde, rama de batata-doce, rama de beterraba, erva seca (feno), folhas da maçaroca de milho, folhagem e pontas do milho, que, após serem retiradas e secas, eram guardadas para complementar a alimentação dos animais no inverno. As vacas eram amarradas com correntes e ordenhadas à mão. As primeiras máquinas de ordenha surgiram na década de 1980.

O transporte da pecuária era feito por carroças de madeira, puxadas por mulas ou cavalos. Estas carroças eram construídas na Várzea pelo Sr. João Garcia e pelo seu primo Manuel Correia Reis — mais conhecido por “Tio” Correia —, que se dedicavam à atividade de segeiro. Além das carroças, construíam também arados e grades para a atividade agrícola.



Na segunda metade do século XX, existiam na Várzea quatro postos de recolha de leite. Na Rua da Carreira, situava-se o posto da Lacticínios Loreto; no Largo da Igreja, o posto da Unileite; na Rua da Igreja, o posto da Lacto Açoreana; e na Estrada Regional, o posto da Lacticínios Santa Clara. Com a saída da Lacticínios Santa Clara, no final da década de 1970, o posto foi alugado à Unileite. Posteriormente, os postos da Lacticínios Loreto e Lacto Açoreana foram transferidos para o mesmo edifício, onde passaram a ser recolhidos os leites das três empresas de lacticínios. Devido ao número reduzido de produtores agrícolas e à falta de condições higiénicas, este posto de recolha de leite fechou definitivamente as suas portas em fevereiro de 2009, sendo integrado no posto de recolha dos Ginetes, para onde os produtores da Unileite e da Fromageries Bell Portugal passaram a deslocar-se, de manhã e à noite, para entregar o leite.

Com a constante mutação da vida rural e uma população ativa de cerca de 65%, a população da Várzea dedica-se, atualmente, em grande parte, a atividades dos setores secundário e terciário, englobando áreas como: serviços, comércio, indústria, construção civil, transportes, saúde e educação. Apenas quatro famílias continuam a trabalhar no setor primário — agricultura e pecuária.

Hoje, o modo de vida em nada se assemelha ao de outros tempos. Embora vivamos tempos difíceis e conturbados, temos melhores condições de vida, alimentação, cuidados de saúde, transportes, comunicações… tudo o que necessitamos para viver com dignidade.

A vida dos nossos antepassados será sempre uma referência da nossa história coletiva, da qual não devemos ficar indiferentes.

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